As principais causas do retrabalho no projeto arquitetônico de edifícios e o que fazer para evitá-lo
“A pouca importância dada a atividade de projetar contribui significativamente para a má qualidade dos edificios.” (Ageu Ramos, 2002)
Como arquiteta, atuando há mais de 15 anos no desenvolvimento do produto de uma empresa incorporadora e construtora, desde a viabilidade até a assistência técnica, tive em mãos dezenas de estudos preliminares que nunca saíram do papel. Outras dezenas precisaram ser refeitos muitas e muitas vezes antes de se tornarem viáveis. Sem falar naqueles projetos já aprovados na prefeitura que foram jogados fora pois seriam necessárias tantas alterações que era melhor começar do zero.
Ao longo desses anos o que mais tenho acompanhado é o retrabalho nos projetos de arquitetura dos edifícios. Tempo e recurso humano é algo que custa muito caro e nem sempre isso consegue ser medido ou mesmo remunerado.
Hoje, os profissionais cobram pelo projeto legal, mas não conseguem dimensionar corretamente o tempo que irão gastar até que esse projeto seja viabilizado. O que, na maioria das vezes, é bem maior do que o estimado.
Sem falar dos estudos de massa que não são cobrados e também não evoluem para um projeto legal.
Um senso crítico apurado e uma enorme vontade de fazer algo para mudar esse panorama me fez desenvolver um outro olhar sobre como deveria ser a concepção do projeto de arquitetura de um edifício e quais são os caminhos a serem percorridos pelo arquiteto (a).
Mas antes, precisamos entender que as causas do retrabalho e mesmo da não continuidade dos projetos de edifícios, estão diretamente ligadas à dois fatores:
- Falta de conhecimento que o arquiteto (a) tem do mercado imobiliário;
- Falta de informação para conceber o projeto.
Fatores estes que impactam diretamente na qualidade dos edifícios e consequentemente no impactam que eles produzem nas nossas cidades.
Você verá a seguir os caminhos a serem percorridos pelo arquiteto ao longo do processo de projeto de um edifício:
ENTENDENDO O MERCADO IMOBILIÁRIO COMO NEGÓCIO
O primeiro passo para elaborar o estudo de um edifício é saber como funciona o mercado imobiliário. Principalmente, entender que o projeto é um produto que precisa ser:
- Viável – Garantir o retorno do incorporador
- Vendável – Estar de acordo com às demandas do público alvo
- Valorizável – Garantir a qualidade arquitetônica do edifício
A palavra viabilizar é muito usada pelos incorporadores, mas pouco conhecida dos profissionais de arquitetura. E entender o que está por trás da viabilidade de um produto imobiliário é o ponto chave para garantir que um estudo de massa vire de fato um projeto completo do edifício.
Não importa se você está desenvolvendo um projeto para um incorporador ou para um proprietário de terreno, em ambos os casos é preciso ter conhecimento dos seguintes aspectos:
- Que o valor do terreno (dinheiro ou permuta) vai impactar diretamente no tipo de produto a ser elaborado;
- Como se compõe o preço de venda de um produto imobiliário;
- Quais são os produtos concorrentes que deram certo ou não e por que isso aconteceu;
Com essas informações em mãos você saberá como conduzir o diálogo com o incorporador de uma forma que atenda suas expectativas, além de mostrar autoridade. E essa autoridade será de suma importância na defesa do projeto, como você verá adiante.
O PROJETO COMO UM PRODUTO IMOBILIÁRIO
Para que um profissional de arquitetura possa elaborar ou conceber um produto imobiliário é preciso antes, defini-lo.
E essa definição deve passar por um amplo processo de pesquisa, onde as informações podem vir de diferentes fontes: pesquisas quantitativas e qualitativas, dados do IBGE, pesquisas secundárias, dados das imobiliárias e até mesmo de clientes.
Mas, infelizmente, isso nem sempre acontece. Na maioria das vezes o incorporador é quem elabora um briefing para que o arquiteto possa iniciar os estudos.
E, posso dizer com toda a certeza, de quem já passou por dezenas de lançamentos, que a causa do insucesso de um produto imobiliário está na falta de informação ou na informação errada usada para elaborar o projeto.
Cabe ao incorporador levantar todas essas informações e, juntamente com o arquiteto, definir o produto mais adequado para determinada localização.
Quem conhece o mercado imobiliário sabe que um briefing não tem informações suficientes para se desenvolver o produto. É justamente essa falta de informação que irá gerar estudos arquitetônicos sem consistência.
Quando o incorporador define o briefing está usando as informações que possui do mercado. Só que o mercado de imóveis atua usando a demanda como sinalizador, que nem sempre é real.
A definição de um produto imobiliário passa por aspectos como:
- Levantamento dos tipos de produtos existentes na área de abrangência;
- Análise do público que transita na área de abrangência, tanto a trabalho como moradia;
- Análise da legislação urbana local e seus impactos;
- Análise do impacto do produto imobiliário na região;
- Levantamento da demanda real na região de abrangência;
- Definição do perfil do comprador/usuário;
- Estabelecimento da faixa de preço do produto;
- Conhecimento das necessidades reais do comprador;
Durante todo esse tempo que atuo do lado do incorporador, tive períodos de extrema aflição todas as vezes que via a definição do produto ser resumida em um simples briefing.
Por isso, afirmo a necessidade de você, arquiteto (a), demandar do incorporador a informação completa e coerente, pois tempo e recurso humano é algo que não dá para desperdiçar.
E fazer projeto de edifício somente para garantir os índices urbanísticos do terreno é uma enorme perda de tempo. Além de gerar constrangimento entre proprietários e incorporadores, já que dificilmente o projeto vai virar um produto.
DEFENDENDO A QUALIDADE DO PROJETO
Somente com as informações corretas em mãos é que podemos partir para a definição do conceito do produto.
Não inicie um processo de elaboração do projeto de um produto imobiliário, seja ele residencial, comercial ou misto, sem definir um conceito. Seria o mesmo que começar a navegar sem saber para que direção ir.
Tenho visto muitos arquitetos perderem sua autoridade perante o incorporador por não conseguirem defender seus projetos. E a falta de conceito é uma das causas.
Outra causa da perda de autoridade é esquecer que o incorporador NÃO é o usuário. E que o projeto não é para ele. É dever dos profissionais de arquitetura defender o usuário e a qualidade dos espaços para ele projetados. Mas para isso é preciso conhecer suas necessidades e fazê-las ir de encontro ao retorno financeiro que o incorporador deseja, criando autoridade suficiente para defender seu projeto.
NOVOS CAMINHOS – O ARQUITETO COMO DESENVOLVEDOR DE NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS
Hoje, se tivesse que fazer um diagnóstico do mercado imobiliário, poderia dizer que existe uma grande insatisfação por parte de todos os envolvidos no processo: arquitetos que não conseguem levar adiante seus estudos, incorporadores que não tem sucesso com o lançamento dos seus produtos, corretores que não vendem como deveriam e usuários insatisfeitos com imóveis que não atendem suas necessidades.
Para mudar esse cenário é preciso que cada um faça sua parte. E a do arquiteto (a) é defender o lugar que as pessoas escolhem para morar, trabalhar ou se divertir. E isso só será conseguido através de um outro olhar, a respeito da forma como os edifícios impactam na vida das pessoas e do ambiente urbano.
Duas palavras precisam fazer parte do vocabulário de um arquiteto que desenvolve projetos de edifícios: viabilidade e produto.
Com isso, a mudança de postura do arquiteto projetista para o arquiteto desenvolvedor de negócios imobiliários será apenas uma questão de tempo.
É preciso que os profissionais de arquitetura estejam inseridos no mercado de imóveis de forma mais completa e coesa. Só assim teremos mais estudos de massa se transformando em obras construídas, com significativa qualidade.
Apresentado por Canto Pra Morar
Matilde Liberato e Martha Moça são Consultoras, Especialistas em Residências Eficazes, fomentam o debate sobre qualidade da arquitetura do imóvel com foco em resultados e ajudam pessoas a identificar a eficácia de suas futuras moradias, para que tenham mais qualidade de vida e sejam mais felizes. Juntas, somam mais de 20 anos trabalhando nos bastidores do Mercado Imobiliário, projetando, lançando, construindo e entregando empreendimentos.